Efeito da pandemia, aumento dos insumos justifica reequilíbrio dos contratos da construção 

Rafael Marko

Por Rafael Marko

Efeito da pandemia, aumento dos insumos justifica reequilíbrio dos contratos da construção 
Capobianco, Campos, Vitale, Zaidan, Ana e Minichillo, nos debates

Diante da onerosidade excessiva dos aumentos de preços de materiais de construção, derivada do fato inesperado em que se constituiu a pandemia de coronavírus, há elementos econômicos e jurídicos suficientes para que as construtoras reivindiquem o reajuste econômico-financeiro de seus contratos de obras, junto aos seus contratantes públicos e privados.

Este foi o consenso entre palestrantes e debatedores manifestado em 10 de maio no webinar “Reequilíbrio dos contratos em decorrência do aumento dos insumos”, realizado pelo SindusCon-SP, por meio de seu Conjur (Conselho Jurídico). Conduzido pelo coordenador do Conjur, Marcos Minichillo, o evento contou com cerca de 700 participantes.

“Este reequilíbrio tornou-se inevitável, afirmou Odair Senra, presidente do SindusCon-SP, na abertura do evento. “Boa parte destes aumentos de preços se deve à concentração de alguns insumos estratégicos em mãos de poucos fornecedores. Sempre almejamos a implementação de uma política industrial que estimule novos fabricantes internacionais a se instalarem no país. O que estamos assistindo é o contrário. Grandes players mundiais estão fechando suas fábricas no Brasil, como acabou de acontecer com uma importante indústria cimenteira.”

“O Brasil precisa mudar, voltar a inspirar confiança nos investidores, gerar emprego, tirar milhões de pessoas da informalidade e do desalento. O Brasil merece uma renovação que leve a políticas públicas consistentes, para lidar com nossos problemas na educação, na saúde, na habitação”, preconizou o presidente do SindusCon-SP.

Luiz Antônio Messias, vice-presidente de Infraestrutura, Concessões e Parcerias Público-Privadas do sindicato, constatou que o aumento dos preços dos materiais e equipamentos já estourou o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de obras públicas. Manifestou a expectativa de que a Administração Pública se sensibilize, evitando “a suspensão das obras, porque obra paralisada é a mais cara possível, além da ameaça de aumento do desemprego”.

Messias registrou a boa notícia da aprovação do Marco Legal do Saneamento. Pontuou alguns retrocessos na aprovação da nova Lei de Licitações e Contratos, a partir de vetos da Presidência da República a três artigos que seriam fundamentais para evitar problemas como paralisações de obras.

Onerosidade excessiva 

Em sua palestra, o advogado Olivar Vitale Jr., do Conjur, afirmou que contratos privados firmados no ambiente da construção civil são passíveis de revisão com base no disposto no Código Civil, desde que fique comprovada a onerosidade excessiva dos aumentos dos insumos e desde que não tivesse sido possível prever o fato que ocasionou tal onerosidade, por ocasião da contratação entre as partes.

Segundo Vitale, o motivo de força maior não consiste no encarecimento de materiais, mas sim no agravamento da pandemia, que ocasionou a escassez de material, e por consequência o aumento abusivo e imprevisível de preços. Este deve ser devidamente comprovado.

De acordo com o advogado, podem ser repactuados os contatos celebrados até 23 de março de 2020, data oficial de decretação da pandemia, ou mesmo até junho do ano passado, quando ainda não havia como se prever a escalada de preços dos materiais.

A legislação permite nestas circunstâncias que o contratante evite a rescisão contratual, desde que concorde em modificar equitativamente o contrato, restabelecendo seu equilíbrio. O Código Civil também prevê a suspensão das obras nos contratos de empreitada firmados, quando ocorrer algum motivo de força maior, ou quando sobrevierem dificuldades imprevisíveis que onerem a empreitada e o dono da obra rejeitar a possibilidade de revisão do preço.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, há também a possiblidade de o incorporador buscar o reequilíbrio de contratos de venda de imóveis junto aos adquirentes, comprovando ter sido imprevisível a pandemia e sua consequente alta expressiva dos insumos por ocasião do lançamento do empreendimento. Entretanto, ressalvou Vitale, dificilmente o Judiciário deverá atender ao incorporador, uma vez que a aplicação do Código geralmente privilegia o consumidor.

Obras públicas 

Rodrigo Pinto de Campos, membro do Conjur, explicou em sua palestra que há direito à revisão de contratos com o poder público em razão do aumento no preço de insumos quando, cumulativamente, o fator que ensejou o referido aumento representar risco alocado contratualmente à Administração ou, se não houver matriz de risco, ter ocorrido um evento estranho ao contrato administrativo, não considerado pelo contratado na ocasião da apresentação de sua proposta de preço na licitação, e como efeito desse evento existir efetivo e comprovado impacto no preço contratual.

Neste caso, o contratado deve pleitear o reequilíbrio contratual administrativamente, recorrendo na mesma instância se não obtiver a repactuação de imediato. O Poder Judiciário, recomendou Campos, apenas deve ser acionado no caso de decisões administrativas desfavoráveis. Ele informou que não há consenso na Administração a respeito. A Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) já repactuou os contratos das concessionárias de aeroportos, enquanto outras agências e órgãos públicos ainda não se posicionaram. Já o Judiciário pode tender a presumir que o aumento dos insumos não leve a uma revisão do contrato, mas Campos se mostrou otimista em relação à conquista de repactuação.

Material de sustentação 

Minichillo anunciou que, para apoiar a formulação de pedidos de reequilíbrio econômico-financeiro, o SindusCon-SP colocou à disposição de suas empresas associadas as íntegras dos pareceres preparados pelos advogados Vitale e Campos, bem como publicações de orientação sobre o reequilíbrio dos contratos. Para obter o material, a empresa deve enviar um e-mail para [email protected] .

O peso dos aumentos 

Ana Maria Castelo, do FGV/Ibre

Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do Ibre/FGV, mostrou em sua apresentação os aumentos expressivos de alguns insumos da construção, de acordo com o acumulado de 12 meses até abril do INCC-M: vergalhões e arames de aço carbono (68,85%), tubos e conexões de ferro e aço (69,71%), tubos e conexões de PVC (62,09%), condutores elétricos (80,69%), cimento Portland (28,57%), telha cerâmica (32,49%) e esquadrias de alumínio (32,58%). Juntos, esses insumos representam 56% da alta do INCC em 12 meses, provocando um efeito perverso sobre os contratos que tenham concentração desses materiais. No mesmo período, o IPA-DI já registra uma elevação de 37,7%, mostrando que os preços devem continuar subindo nas próximas semanas.

A economista também mostrou que, se os pesos utilizados no cálculo do índice estivessem mais ajustados às modernas técnicas construtivas que utilizam sistemas industrializados na montagem das obras, o INCC acumulado de 12 meses passaria de 12% para 17,7%.

Segundo a última Sondagem Nacional da Construção, perto de 40% das empresas já informaram o aumento dos preços dos materiais como sendo um dos maiores obstáculos aos negócios, um recorde na série histórica. Ana Castelo apresentou exemplos da ascensão dos preços internacionais das commodities de cobre e minério de ferro. E previu que no primeiro semestre o INCC deverá atingir seu pico devido à alta mais significativa com o reajuste dos salários do setor.

“Apagão das canetas” 

Nos debates que se seguiram, Eduardo Zaidan, vice-presidente de Economia do SindusCon-SP, afirmou que o setor espera que o governo se sensibilize e baixe uma regra para possibilitar o reequilíbrio dos contratos da construção. Segundo ele, esta seria a solução para o “apagão das canetas” – temor dos agentes públicos de adotarem medidas administrativas como a repactuação dos contratos e depois serem questionados pelo Ministério Público ou pelos órgãos de controle.

Eduardo Capobianco, ex-presidente do SindusCon-SP e representante da entidade junto à Fiesp, destacou que os prejuízos dos efeitos da pandemia são consideráveis. Além do aumento dos materiais, a mão de obra também se elevará em níveis não previstos por ocasião da celebração dos contratos.

Adicionalmente, sublinhou Capobianco, a escassez dos materiais diminuiu a produtividade nas obras, alongou os cronogramas de execução e acarretou mais custos em um setor muito concorrencial, com margens apertadas e que não prevê esse tipo de riscos em seus contratos. Em consequência, carregar esses prejuízos durante um ano até o reajuste anual dos contratos é insustentável. Ele também recomendou a celebração de contratos com cláusulas que prevejam reajustes mensais decorrentes da elevação de certos insumos imponderáveis, além do reajuste anual dos demais itens pelo INCC.

Vitale recomendou que, ante o desconhecimento do Judiciário em relação às questões econômicas específicas da construção, as empresas prefiram negociar com seus contratantes, se concluírem que o reajuste anual não restabelecerá o equilíbrio. O ideal seria comprovar o desequilíbrio o quanto antes, durante a execução do contrato, recomendou.

Campos concordou em que os órgãos de controle podem fazer os administradores públicos temerem repactuar os contratos. Observou que, no limite, paralisar a obra por liminar do Judiciário pode ser um caminho, caso a Administração não concorde com essa opção. No caso de suspensão dos contratos administrativos, é preciso observar os prazos prescricionais descritos na legislação. Acrescentou que nada impede celebrar um reequilíbrio sobre serviços já executados. Se tiver evidências mensais, a empresa deve protocolá-los nos órgãos contratantes.

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