Seminário debate perspectivas da industrialização da construção residencial

Rafael Marko

Por Rafael Marko

Seminário debate perspectivas da industrialização da construção residencial

Evento do SindusCon-SP e da AsBEA-SP mostrou convergência de diagnósticos

Para fazer avançar a industrialização na construção residencial no Brasil, o SindusCon-SP e a AsBEA-SP (Associação Regional de Escritórios de Arquitetura de São Paulo) realizaram um seminário híbrido em 11 de agosto. O evento foi marcado pela convergência de diagnósticos sobre as dificuldades à expansão da construção industrializada e pela apresentação de casos de sucesso em sua implementação.

Odair Senra, presidente do SindusCon-SP

Abrindo o seminário, Odair Senra, presidente do SindusCon-SP, destacou que boa parte das construtoras tem adotado “os projetos e as tecnologias construtivas que trazem inúmeros benefícios em termos de qualidade e produtividade. Entretanto, ainda esbarramos em dificuldades para adotar a industrialização na construção residencial. A busca da superação dessas dificuldades uniu a AsBEA-SP e o SindusCon-SP num movimento para viabilizar essa industrialização e torná-la irreversível.”

Milene Abla Scala, presidente da AsBEA-SP, afirmou ser o papel das entidades catalisar as iniciativas, articular os elos da cadeia produtiva rumo à industrialização e disseminar a transmissão de conhecimentos. “Temos a certeza de que os benefícios da adoção da industrialização na construção residencial são maiores que as dificuldades enfrentadas para sua implementação”, destacou. Ela ainda assinalou a importância desta industrialização no retrofit, que a seu ver precisa ter prioridade nesta agenda, revitalizando os centros urbanos e proporcionando maior qualidade de vida aos seus moradores.

Políticas públicas

Amary, Milene e Senra

O secretário de Estado da Habitação, Flávio Amary, relatou os desafios que tem enfrentado para estimular a industrialização da construção residencial. Na secretaria foi realizado um seminário a respeito, ainda antes da pandemia. O governo deu apoio, houve conversas com três prefeituras que doaram terrenos para o Estado, porém nenhuma empresa se interessou na licitação para fazer um projeto piloto. Hoje há uma construtora que industrializa parte da produção habitacional em um projeto contratado pelo Estado. A solução do déficit habitacional passa pela industrialização da construção, concluiu.

Farias, Amary, Senra e Milene na plateia

O secretário Municipal de Habitação de São Paulo, João Siqueira de Farias, representando o prefeito Ricardo Nunes, comentou que o Programa Pode Entrar inovou e em breve vai adquirir diretamente 45 mil unidades habitacionais. Segundo ele, a Prefeitura está pronta a discutir como superar o desafio para construir as obras de interesse social com maior rapidez. Em outra frente, 300 unidades modulares serão construídas para diminuir o número de moradores de rua.

Panorama atual e propostas

O primeiro painel do evento apresentou um panorama de ações para industrialização.

Paulo Oliveira, CEO da Aratau

Paulo Oliveira, CEO da Aratau, afirmou que só a industrialização da construção conseguirá dar conta da meta de redução do déficit habitacional, pelo aumento da rapidez na construção e do aumento da produtividade. Entretanto, a alta carga tributária não ajuda. Ele lembrou que o Construbusiness de 2021, da Fiesp, elencou propostas para impulsionar essa industrialização, como um novo regime tributário e mudanças no processo licitatório.

O desafio, segundo Oliveira, está em realizar a transição da construção tradicional para a industrializada, com a contribuição de tecnologias como o BIM (Modelagem da Informação da Construção) e a integração com startups. O caminho é racionalizar a construção, agregar-lhe produtos fabricados fora do canteiro, adotar módulos e a construção modular. Ao mesmo tempo, os projetistas devem ser estimulados e os fabricantes dos módulos se especializarem. “Não há mais espaço para o artesanato produtivo, é preciso transformar a construção numa indústria moderna e eficaz”, concluiu.

Ele observou que os clientes de alta renda não têm restrições aos produtos da construção industrializada, graças ao atendimento das normas como a de Desempenho de Edificações, com mínimos problemas no pós-obra. Chamou a atenção para a necessidade de se capacitar os estudantes e os profissionais que atuam no mercado, citando alguns cursos a respeito.

Oliveira se manifestou favorável à industrialização aberta, com o aperfeiçoamento de sistemas visando a elevação da produtividade. O problema é que as construtoras não sabem como e por onde começar, observou. Uma metodologia está sendo desenvolvida para ajudar na busca por maior produtividade pela modularização em várias etapas da obra.

José Marcio Fernandes, da TecVerde Engenharia

José Marcio Fernandes, da TecVerde Engenharia, apresentou o movimento Brasil Viável, em favor da construção industrializada, suportado pelo C3 e pelo Enredes do CTE. Elencou as dificuldades para sua adoção, como: ausência de programas de governo estruturados voltados à industrialização; aumento dos preços dos insumos em descompasso com a evolução da renda das famílias; elevada tributação; insegurança jurídica; burocracia; códigos de obras com exigências construtivas diferentes a cada município; oferta limitada de financiamentos; divulgação das tecnologias nas universidades e reformas estruturais.

Para avançar, o movimento pretende criar o CUB da construção industrializada; fomentar a contratação de financiamentos; criar grupos de trabalho para formular ações com vistas a vencer os demais desafios, e divulgar e trazer mais empresas e entidades para apoiarem o movimento.

Fernandes relatou que já há uma grande interação com o cliente final, para quem o mais importante é o custo dos produtos da construção industrializada. Ele destacou que há empreendimentos entregues há 9 anos com durabilidade que deverá superar os 50 anos. Comentou que se abrem oportunidades para os profissionais de uma série de setores. E defendeu a criação de cadeias de suprimentos para a criação de escalas.

Dificuldades a serem superadas

professor Vanderley John, da Aliança de Construção Modular

O professor Vanderley John, da Aliança de Construção Modular, comentou a dificuldade de se implementar um novo sistema de construção em substituição à construção convencional, a qual, com todos os seus problemas, ainda é muito lucrativa e ensinada nas faculdades de engenharia. A Aliança está formando consórcios para impulsionar a construção industrializada, além de montar um diagnóstico sobre a questão e desenvolver um networking entre os participantes.

Ele apontou problemas como carga tributária; informalidade tira competividade da indústria formal, ao não pagar as obrigações e os encargos tributários; falta de robustez de casas pré-fabricadas ocasionando problemas futuros; falta de cultura de projeto para a construção modular; falta de engenheiros e pós-graduados familiarizados com a construção industrializada.

John afirmou ser preciso desenvolver tecnologia para aumentar a produtividade, e não imaginar que ela vá resolver problemas como a pobreza. Segundo ele, o Brasil tem apenas 20% da produtividade mundial e é nisso que se deve colocar a prioridade. Defendeu ainda aperfeiçoamentos da Norma de Desempenho.

Tecnologias demandam escala, lembrou. Nas fachadas, hoje dominam a alvenaria na construção residencial e o vidro na construção comercial. O desafio será criar padrões para a industrialização.

Atuação do governo federal

Laura Marcellini, diretora técnica da Abramat

Laura Marcellini, diretora técnica da Abramat (Associação Brasileira de Materiais de Construção), historiou as ações já realizadas de 2008 para cá, a fim de impulsionar a construção industrializada. Hoje a entidade participa das ações do programa Construa Brasil, do governo federal, que tem 8 metas dentro dos temas de desburocratização, digitalização e industrialização da construção. As duas metas deste tema são incentivos à construção modular, via normas técnicas, e incentivos à construção industrializada.

A liderança desta última meta está a cargo da Abramat. Estão em andamento estudos e propostas sobre planejamento estratégico para a divulgação da construção industrializada no país (resumo já publicado), equalização tributária entre a construção convencional e a industrializada, modelos de financiamento e processos licitatórios (todos estes ainda em sigilo, por determinação do governo)

Laura comentou que há modelos de políticas para inspirar o setor e organizar o pleito da industrialização numa visão de longo prazo. Citou como exemplo a estratégia nacional para a adoção do BIM, lastreada em aquisições de governo e estímulos ao mercado.

Ela disse ser favorável à industrialização aberta, com o desenvolvimento de sistemas para elevar a produtividade das várias fases da obra desde a fase do projeto.

Os debates que se seguiram foram mediados por Paulo Mingione, membro do CTQ (Comitê de Tecnologia e Qualidade) do SindusCon-SP.

Casos de sucesso

Luiz Henrique Ceotto, sócio da Urbic Incorporadora e da Tecnoeng

No segundo painel, Luiz Henrique Ceotto, sócio da Urbic Incorporadora e da Tecnoeng, apresentou uma metodologia desenvolvida para a construção rápida de edifícios em pequenos terrenos em até dois anos desde a compra do terreno. Utilizando o BIM, desenvolve-se o projeto em um mês e se faz a aprovação em quatro meses pelo Aprova Rápido. A construção dura até 14 meses e a conclusão e entrega, em dois meses.

Para a industrialização da construção, buscou-se inspiração nos sistemas da indústria automotiva. Com precisão, a estrutura fixa todos os demais sistemas, reduzindo o número de fornecedores a 40. Com alta produtividade, montam-se três lajes por semana. Os componentes vão direto do caminhão para a obra. Módulos padronizados dos sistemas hidráulicos foram desenvolvidos e são encaixados nos shafts, seguindo-se a instalação dos dry-walls. A instalação elétrica também é padronizada. Praticamente não houve problemas no pós-obra. No início a estrutura era metálica, mas com a elevação dos preços do aço, passou a ser de concreto, com paredes pré-moldadas. A empresa está trabalhando no desenvolvimento de fachadas leves, que dispensa as gruas pesadas. “A industrialização da construção residencial é um caminho sem volta e vai se intensificar muito nos próximos anos. Se não a fizermos de maneira organizada, coordenada pelo setor, vamos sofrer muito”, concluiu.

Nessas obras, Ceotto tem conseguido reduzir o volume de entulho da construção industrializada, de 300 litros/m² para menos de 15 litros/m². A metodologia também elimina o pó da obra, o uso da força física, a sujeira do chapisco e melhor os salários dos montadores das estruturas. “Empresa de construção que está empilhando tijolo não pode falar de sustentabilidade”, alfinetou. Relatou ainda que está estudando a utilização de madeira engenheirada na cobertura dos prédios. “Temos que misturar os materiais e aproveitar o melhor de cada sistema. A melhor solução é sempre híbrida.”

Ele destacou que foi preciso enfrentar a resistência da equipe de vendas, mas que ao final acabou convencida dos benefícios da industrialização. E afirmou que o papel dos arquitetos e projetistas é fundamental para compreender um novo sistema e realizar projetos inovadores e belos.

Light steel frame

Bento Vivacqua, da Town Maker

Bento Vivacqua, da Town Maker, apresentou o case do empreendimento de uso misto High Line Vitória, no Espírito Santo, de três torres unidas por uma passarela fechada envidraçada. Foram 20 mil m² de fachada em light steel frame. Para o encaixe do sistema, as lajes são protendidas. Os kits pré-fabricados em instalações elétricas com a minuteria testada. Usam-se dry-wall para as divisões internas e os eixos são locados por topografia. Os benefícios do light steel frame são: redução dos ciclos e etapas de construção, diminuição de custos, redução do desperdício de materiais, rapidez e limpeza da obra e redução dos custos de execução, com expressivo aumento da produtividade.

Vivacqua mostrou que a construção seca possibilita uma redução de 45% dos resíduos e possibilita uma remuneração melhor, devido ao trabalho de uma equipe mais reduzida. E relatou que a equipe de vendas também resistiu, mas acabou convencida dos benefícios do sistema.

Madeira engenheirada

Alexandre Kröner, da Kröner & Zanuto Arquitetos

Alexandre Kröner, da Kröner & Zanuto Arquitetos, apresentou cases nacionais e internacionais de um prédio construído em madeira ou com estrutura híbrida. Elencou as vantagens deste processo e os cuidados a serem tomados para proteger o material. Relatou que a HTB contratou seu escritório para projetar um sistema em madeira, em BIM, e há fundos de investimento buscando terreno para implementá-lo. Mostrou ainda outros estudos de fachadas em madeira que desenvolveu.

Kröner informou que já há no país calculistas de madeira, não vinculados a fornecedores do material. Calculistas de concreto têm estudado o tema.

Seguiram-se debates, moderados por Fabrizio Rastelli, da AsBEA-SP. Ele chamou a atenção para a conexão da industrialização com a sustentabilidade.

Patrocínio: Saint-Gobain (Diamante), CMC Modular, Kingspan Isoeste e Urbic (Ouro) e Atlas Schindler e Gerdau (Prata).

Assista às apresentações, clicando aqui. A íntegra do evento está disponível aqui.

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