Substitutivo à Lei de Licitações ameaça ampla concorrência

Rafael Marko

Por Rafael Marko

Substitutivo à Lei de Licitações ameaça ampla concorrência

O substitutivo apresentado na Câmara dos Deputados para a criação de uma legislação no lugar das Leis de Licitações, do Pregão e do Regime Diferenciado de Contratações contém alguns pontos positivos, porém traz graves riscos à ampla concorrência e à democratização do acesso às obras públicas. O alerta é de Luiz Antônio Messias, vice-presidente de Infraestrutura, Parcerias Público-Privadas e Concessões do SindusCon-SP.
Apresentado pelo deputado João Arruda (MDB-PR) em 23 de maio, o parecer sobre as propostas para uma nova lei (PLs 1292/95, 6814/17 e outros 230 apensados) estabelece que os contratos para a contratação de obras e serviços de até R$ 100 milhões poderão exigir seguro-garantia de até 20% do valor do contrato, e aqueles de valor superior a R$ 100 milhões, obrigatoriamente de 30%. A Lei de Licitações em vigor (Lei 8.666/93) prevê percentuais de 5% e 10%, respectivamente.
Segundo Messias, se os novos percentuais prevalecerem, pequenas e médias empresas não conseguirão contratar esse seguro e ficarão de fora das licitações, concentrando o mercado e facilitando práticas de dirigismo e combinação de preços. “O correto seria não facultar, mas sim exigir seguro-garantia em todas as licitações, porém com percentual de 20% a 30% para obras de grande vulto, estas com valor superior a R$ 300 milhões e não a R$ 100 milhões, e de 5% para as demais”, afirma.
O vice-presidente propõe que outras modalidades de garantia sejam aceitas, como garantia fidejussória (com bens pessoais) sujeita à avaliação de suficiência pela administração pública, e caução em precatórios. Ele também se opõe à exigência de um seguro para quitação de eventuais dívidas trabalhistas, por onerar o custo da obra e também representar ameaça de exclusão de empresas das licitações.
Messias ainda defende que o texto especifique como devem ser aplicados os reajustes aos contratos de execução de obras, bem como os encargos e as multas de mora a serem pagas pela administração pública, decorrentes de atrasos de pagamentos – itens que deveriam ser inseridos na lei e também nos editais, segundo ele.
Contratação semi-integrada
O parecer permite o uso da contratação semi-integrada, prevista atualmente na Lei das Estatais (13.303/16), para obras e serviços de engenharia. Nesse tipo de contratação, é possível definir previamente as quantidades dos serviços a serem executados com diferentes metodologias ou tecnologias. O projeto básico poderá ser alterado sempre que ficar demonstrada a superioridade das inovações em relação aos custos, qualidade, prazo de execução ou facilidade de manutenção e apuração.
Na contratação integrada, também incluída no projeto e prevista no Regime Diferenciado de Contratações, o contratado fica responsável pela elaboração e o desenvolvimento dos projetos completo e executivo, além da execução de obras e serviços de engenharia.
Os dois tipos de contratação só serão possíveis para licitações acima de R$ 20 milhões, mesmo limite estabelecido na lei de parcerias público-privadas. No RDC, que instituiu a contratação integrada, não há determinação de valor, somente a condição de que o cálculo seja feito com base no aplicado pelo mercado.
Messias propõe que tais regimes de contratação devam estar atrelados a pressupostos técnicos e ao valor compatível com obras e serviços de grande vulto, segundo orientação do TCU.
Ele também preconiza a revogação do artigo que permite ao licitante que apresentar preço inexequível, defender sua proposta. “A retórica do licitante não pode prevalecer sobre os critérios técnicos que definem a inexequibilidade”, comenta.
Licença ambiental
O vice-presidente observa que o substitutivo acertadamente condiciona o lançamento de edital de licitação à existência de licença prévia ambiental. “Mas é preciso prever que a administração providencie Licença de Instalação antes da expedição da Ordem de Serviço do Contrato.”
Com relação à qualificação técnica para efeito de habilitação do licitante Messias propõe que as parcelas consideradas de maior relevância e valor significativo do objeto licitado, exigíveis para comprovação desta habilitação, sejam, cada uma, de no mínimo de 4% do valor total do contrato.
Ele ainda alerta que os prazos mínimos para apresentação de propostas foram excessivamente reduzidos, configurando mais uma ameaça de direcionamentos das licitações. “O ideal é 30 dias para concorrências de obras e serviços comuns, e de 120 dias para a contratação integrada, por esta demandar elaboração de projeto básico e executivo.”
Fim do pregão
O substitutivo retira a previsão de uso do pregão eletrônico para obras e serviços comuns de engenharia, que era para valores de até R$ 150 mil. E exclui o convite, previsto no projeto original, das modalidades de licitação. Permanecem no texto concorrência, concurso, leilão, pregão e tomada de preços.
A proposta estabelece critérios de julgamento de cada modalidade. Para a concorrência, por exemplo, além de critérios já previstos atualmente como menor preço ou técnica e preço, o texto inclui o critério de maior retorno econômico. Na modalidade pregão pode ser adotado o critério do maior desconto – já usado no Regime Diferenciado de Contratações.
Diálogo competitivo
O parecer incorpora o diálogo competitivo, também conhecido como diálogo concorrencial, à legislação, para celebração de contratos mais complexos.
Por essa modalidade de licitação, as empresas privadas e o poder público fazem um diálogo prévio à licitação em si. O objetivo é desenvolver alternativas para atender a necessidades públicas. Após o fim do diálogo, apresentam proposta final. Essa modalidade é adotada pela União Europeia desde 2004.
O diálogo competitivo pressupõe objetos tecnicamente complexos, além do domínio comum de conhecimento dos órgãos ou entidades contratantes, seja sob o aspecto técnico ou de estrutura financeira ou jurídica.
O RDC e a tomada de preços – escolha do fornecedor a partir de cadastro prévio – deixam de existir com a proposta. Muitas práticas do RDC, como a inversão de fases e a contratação integrada foram incorporadas, com modificações, à proposta.
O texto também padroniza para todas as licitações, os procedimentos auxiliares adotados atualmente no RDC: pré-qualificação permanente, cadastramento, sistema de registro de preços renovado anualmente, e catálogo eletrônico de padronização.
Dispensa de licitação
O texto atualiza ainda os preços de dispensa de licitação. No caso de compras ou serviços o limite passa de R$ 8 mil para R$ 50 mil. Para obras de engenharia, de R$ 15 mil para R$ 100 mil. Os valores são maiores que os previstos no projeto vindo do Senado.
O texto incorporou a regra geral de inversão das fases, iniciada com o pregão e seguida no RDC. Com isso, o julgamento das propostas é anterior à habilitação, que só será feita em relação ao vencedor do processo. Pode ser admitida a inversão dessa regra por ato motivado.
Atos administrativos com algum erro menor também podem ser resolvidos no final do processo, como já prevê o RDC. Nesse caso, a comissão de licitação deverá sanar esses erros.
O texto também dispensa o reconhecimento de firma – exceto em dúvida de autenticidade; prioriza os atos eletrônicos; e permite que o agente da licitação comprove autenticidade de cópias de documentos.
A proposta também simplifica a fase de habilitação dos licitantes, em comparação com a legislação atual. Limita a documentação necessária à comprovação de existência jurídica da empresa e, quando cabível, de autorização para exercício da atividade a ser contratada.
Portal de Contratações Públicas
O substitutivo cria o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), que deverá ser instituído pelo Executivo federal e adotado por todos os poderes de todos os entes (União, estados e municípios).
O portal deverá conter os planos anuais de contratações de todos os órgãos, assim como editais e demais documentos necessários para as contratações. Haverá um registro cadastral de todos os inscritos em licitações, atualizado anualmente, para habilitação e atestado de cumprimento de obrigações dos processos de seleção.
Pelo substitutivo, a divulgação no portal é condição indispensável para a eficácia do contrato e deverá ocorrer em 30 dias, no caso de licitação, e 10 dias no caso de contratação direta.
Agente de licitação
O texto cria ainda a figura do agente de licitação, responsável na administração pública por conduzir o processo licitatório e acompanhar a execução contratual. O agente deverá ser servidor ou empregado público do quadro permanente do órgão. Ele será auxiliado por uma equipe, mas responderá individualmente por seus atos. A exceção ocorre se ele for induzido ao erro pela equipe.
Os agentes de licitação serão capacitados pelas escolas de formação dos tribunais de contas da União, estaduais e municipais. A formação deve incluir cursos presenciais e a distância, redes de aprendizagem, seminários e congressos sobre contratações públicas.
Em licitações mais complexas, o agente poderá ser substituído por uma comissão de no mínimo três pessoas que responderão solidariamente pelos atos praticados. Quando o objeto da licitação for algo não rotineiro, poderão ser contratados especialistas para assessora os agentes de licitação.

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